Fonte: G1
Barron H. Lerner leciona no Centro Médico da Universidade de Columbia.Ele escreveu artigo no jornal americano "The New York Times".
Edward Schecter se recorda de escutar os médicos dizendo que ele iria morrer. Sua febre havia chegado a 41 graus. Os médicos o colocaram numa banheira cheia de gelo e então ministraram um antibiótico de último caso, cujos efeitos colaterais poderiam tê-lo matado. Antes de seu tormento acabar, ele perderia mais de dez quilos. Era agosto de 1952, e Eddie Schecter, então um frequentador de seis anos do Campo Recreativo Judeu Hi-Li, localizado na parte Far Rockaway do Queens, era o sobrevivente mais doente de uma das últimas grandes epidemias de febre tifóide da cidade de Nova York – um acontecimento que traz ecos assustadores, e úteis lições, para a atual pandemia de gripe suína H1N1.
O diagnóstico inicial de tifóide, uma doença bacterial caracterizada por febre, letargia, dores abdominais e erupções na pele, foi como um golpe de sorte. Em grande parte desconhecida, a doença estava desaparecendo da maioria das cidades americanas, naquela época vítima da melhora no saneamento. Os pais que mandavam seus filhos a campos estavam muito mais preocupados com a pólio. Naquela manhã de agosto, quando Eddie estava febril demais para ir ao campo recreativo, seus pais chamaram o médico da família, o Dr. Sidney Rothstein. Judeu polonês, sobrevivente do holocausto, Rothstein conhecia muito bem a doença de seu tempo de guerra na Europa. Ele levou pessoalmente seu paciente a um hospital e insistiu para que o garoto recebesse cloranfenicol, um controverso antibiótico que, em casos raros, causava supressão fatal da medula óssea – mas que provavelmente salvou a vida de Eddie. Assim como Eddie ficou doente, também ficaram dúzias de outros frequentadores do campo Hi-Li.
Médicos notificaram o Departamento de Saúde de Nova York, que, trabalhando com colegas de Nassau County, iniciaram uma investigação epidemiológica em 12 de agosto. A epidemia acabou infectando 51 pessoas. Era uma grande notícia, revivendo as lembranças de “Maria Tifóide” Mallon, uma cozinheira que havia disseminado a doença no início do século e levado três pessoas à morte. Funcionários salutares suspeitaram que, como Mary Mallon, alguém responsável por preparar as comidas no campo Hi-Li era portador da bactéria da febre tifóide.
Embora saudáveis, esses indivíduos abrigavam o germe em seus intestinos e podiam inadvertidamente espalhá-lo na comida por suas mãos. Em 15 de agosto, o Departamento de Saúde encontrou o culpado: uma mulher de 45 anos que trabalhava como cozinheira do Hi-Li desde 1950. Aparentemente, o departamento realizou um ótimo trabalho ao obstruir a epidemia. Eles fecharam o campo e enviaram enfermeiras às casas de todos os frequentadores doentes, administrando doses de vacina preventiva nos membros da família. Embora a taxa de mortalidade da febre tifóide chegasse a 10%, todos os pacientes sobreviveram. Ao contrário de Mary Tifóde, a cozinheira parece ter seguido o conselho dos funcionários da saúde pública e parou de trabalhar com comida. No geral, o episódio foi um precursor da agressiva – e calculada – reação que o Departamento de Saúde e Higiene Mental de Nova York empregou na crise da gripe suína. Mesmo assim, naquela época, os funcionários não conseguiram acalmar o medo que tomou conta de Far Rockaway e das comunidades vizinhas, embora dissessem às pessoas que a doença não era disseminada casualmente.
Carol Schartz, irmã de Eddie, lembra-se de ir à casa de uma amiga para assar brownies. “Eu estava completamente saudável”, ela disse recentemente, “mas a mãe dela gritou para que eu saísse de lá”. Felizmente, alguns aspectos do atendimento da saúde mudaram desde 1952. No Hospital Meadowbrook, em Long Island, onde os médicos estabeleceram uma ala temporária de quarentena para os freqüentadores do Hi-Li, Eddie não podia ter contato direto com sua família. Seus pais podiam apenas acenar para ele, de uma janela próxima. “Os médicos chegaram a dizer que, se eu chorasse quando retirassem meu sangue, meus pais não me visitariam mais”, ele lembrou há pouco tempo. Todavia, as boas lembranças também persistiram.
Quando o rabino que administrava o campo Hi-Li convidou Eddie para retornar no verão de 1953, ele e seus pais aceitaram. Ele voltou por diversos verões depois disso, e aos 12 anos já tinha decidido a carreira que seguiria. Hoje, aos 63 anos, ele é o rabino do Templo Beth Shalom, em Hastings, Nova York. Eu sou um membro da sinagoga. “Depois daquele verão”, disse, “minha mãe sempre me dizia que eu havia sido salvo por um propósito”.
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